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De Ivete a Ana Hickmann: juiz processa 160 pessoas por uso de hashtag

Foram processados artistas, influenciadores digitais, políticos, entre outras pessoas.

Foto: ReproduçãoUmas das artistas processadas
Umas das artistas processadas

 


Congresso em Foco- O juiz Rudson Marcos, de Florianópolis, está processando mais de 160 pessoas que publicaram uma hashtag que fazia referência ao julgamento da influenciadora digital Mariana Ferrer. O processo corre em segredo de justiça, mas, segundo a Folha de S.Paulo, entre os alvos da ação estão as apresentadoras Angélica, Ana Hickmann e Astrid Fontenelle; a cantora Ivete Sangalo, as atrizes Camila Pitanga, Tatá Werneck e Patricia Pillar; o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e o influenciador Felipe Neto, além de veículos de imprensa e plataformas como Google, UOL, O Estado de S. Paulo e Organizações Globo Participações.

Rudson foi responsável pelo julgamento do processo contra o empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar Mariana. A conduta do juiz na ocasião, registrada em vídeo, gerou protestos e resultou na aplicação de uma advertência a ele pelo Conselho Nacional de Justiça(CNJ) em novembro do ano passado. O CNJ concluiu que Rudson foi omisso na condução da audiência de instrução.

Artistas, influenciadores digitais, políticos, entre outras pessoas, usaram hashtags como #estuproculposo e #estuproculposonaoexiste para protestar contra a postura do magistrado, do promotor Thiago Carriço e do advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho.

Mari foi destratada pelo defensor de André de Camargo na frente do juiz e do promotor. A absolvição do empresário foi confirmada em segunda instância.

O caso foi revelado em 2020 pelo site The Intercept, que divulgou a gravação da audiência e incluiu no texto a expressão “estupro culposo” para se referir à tese da Promotoria. No mesmo dia, o veículo incluiu uma nota aos leitores em que esclarecia que a expressão fora usada “para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo”. O emprego do termo resultou na condenação da autora da reportagem, Schirlei Alves, no ano passado.

A expressão que viralizou nas redes sociais estava relacionada a argumentos usados pelo promotor do caso de que não teria havido dolo (intenção) do acusado, porque não haveria como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação. “Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”, escreveu Carriço em sua argumentação.

Em decisão classificada como “ultrajante”por entidades de direito e jornalismo, Shirlei foi condenada em 2023 a seis meses de prisão em regime aberto por difamação contra o juiz e o promotor do caso. De acordo com a decisão da juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal de Florianópolis, a jornalista também terá de pagar R$ 400 mil aos autores da ação. Ou seja, R$ 200 mil para o juiz, e outros R$ 200 mil para o promotor, por danos morais. Ela recorre da decisão.

Em processo iniciado em 2018, Mariana Ferrer acusou André de Camargo Aranha de estupro em um clube de luxo em Florianópolis. O empresário foi absolvido em primeira e segunda instâncias em 2020 e 2021. Ela alega que foi dopada e violentada por ele em uma boate.

Na audiência presidida pelo juiz Rudson Marcos, o advogado Cláudio Gastão desqualificou o depoimento de Mariana ao exibir fotos da influenciadora, classificando-as como “ginecológicas”. Ele disse que “jamais teria uma filha do nível” dela e repreendeu o choro de Mariana: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

A jovem reclamou do interrogatório para o juiz. “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados, nem os assassinos são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz. O juiz, então, anunciou que interromperia a gravação da audiência para que Mariana pudesse se recompor e pediu ao advogado para manter “um bom nível”. O episódio desencadeou reação no Congresso, que aprovou um projeto de lei que trata sobre a punição para quem constranger vítimas e testemunhas de crimes durante audiências e julgamentos.

Assim que o caso veio a público, diversos juristas reagiram ao vídeo da audiência. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, escreveu nas redes sociais, na ocasião, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Em resposta à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, Rudson disse que não poderia detalhar os processos movidos por ele porque correm em segredo de justiça. Mas ressaltou que foi motivado pelas recorrentes associações da expressão “estupro culposo” ao seu nome. “(Isso) não foi um mero engano, pelo contrário, foi uma fake news alavancada propositalmente para que empresas e usuários de mídias sociais lucrassem com a repercussão equivocada da referida vinculação. Por este motivo torpe, foram sacrificadas a honra, imagem, carreira e moral deste magistrado.”

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